domingo, agosto 26

Nem proteger, nem servir.


Em um supermercado do meu bairro, destes que se dizem vender por atacado, minha namorada e eu, já na fila do caixa "rápido", com as compras do pacato café da tarde de domingo, fomos surpreendidos pela exaltação de um dos clientes que, falando aos berros e gesticulando excessivamente, vinha em nossa direção. O motivo de tal comportamento, aparentemente, era resultado  do atendimento negligente de uma das funcionárias do setor de açougue. O rapaz respondia com insultos e frases tiradas, provavelmente, de um programa de defesa do consumidor que, do modo como eram proferidas, não representavam nenhum sentido.
A algazarra chamou a atenção de todos que esperavam nas longas filas, e muitos, inclusive eu, puderam ver quando um homem fardado, se aproximou do rapaz com uma postura intimidadora e após segundos de uma conversa ao pé do ouvido, disse em alto e bom som, a frase que até hoje nunca resolveu qualquer impasse - Você sabe com quem está falando? - e com um golpe de total despreparo, iniciou o improvável. Uma pancadaria generalizada, que derrubou prateleiras e levou aos gritos uma mulher com uma criança de colo que, possivelmente era a esposa do rapaz agredido.
O homem fardado ostentava na parte de traz de seu colete, a inscrição, SEGURANÇA, e junto com os outros agressores, fardados e a paisana, carregaram o infeliz rapaz para longe dos olhos da clientela alvoroçada.
Mesmo reconhecendo que a reação do rapaz foi exagerada, em relação ao atendimento, que minutos antes, eu já havia constatado pessoalmente, que era abaixo do adequado para seres humanos,  resolvi cumprir meu papel de cidadão e liguei para o 190. Talvez essa fosse a terceira vez, nos meus 21 anos de vida, que eu tenha ligado para esse número, e com certeza foi a primeira que liguei por uma situação de terceiros.
Por mais que o ocorrido tenha me deixado impressionado, o mais inusitado estava no outro lado daquela linha telefônica, ou não.
Na primeira tentativa, foram quatro minutos ouvindo uma gravação sobre como agilizar o atendimento, seguido da queda da ligação. Nas outras cinco tentativas, falei apenas com o "tutu". Liguei 181 (Disque Denúncia) e o mesmo acontecia.
Resolvi tentar mais uma vez no 190 e fui atendido de prontidão, por uma pessoa de vocabulário correto e técnico, alguém que merecia o titulo de 'oficial'. Relatei a situação e fui questionado:
- Qual o número do endereço do estabelecimento?
Respondi que não sabia, mas que se tratava de um grande mercado em uma famosa avenida, que seria fácil encontrar, levando em conta que a delegacia mais próxima não era longe dali.
- Senhor, para poder destacar uma viatura preciso do número do estabelecimento, por favor pergunte à um funcionário, senão, não poderei dar continuidade ao atendimento.
Perguntei então a um senhor com o uniforme do mercado, mas no mesmo instante fui indagado por outros homens, que me rodiaram rapidamente, o por que da minha ligação e, mais uma vez, com uma postura ameaçadora e truculenta tentaram me convencer a desligar o telefone.
Resolvi sair dali, minha namorada e eu, percebemos os olhares ameaçadores nos seguindo, mas continuei na linha com o 'oficial'.
- O senhor vai permanecer no local da ocorrência para fazer contato com a viatura?
Respondi que não, pois estava sendo acuado e intimidado, então recebi uma negativa, com um tom muito semelhante ao usado por aquele agressor vestido de segurança.
-Hey, se você não ficar eu não vou mandar a viatura, ou fica ou nada feito.
Achei aquilo estranhíssimo e questionei se a viatura iria demorar o mesmo tempo para chegar ao local, do que o tempo que levaram para atender o telefone.
- Quando tiver alguma disponível eu mando praí, pode sê?
Só me restou agradecer.
No caminho de volta pra casa, (não, eu não fiquei para esperar os homens da lei), reparei que uma viatura estava parada na padaria da esquina. o motorista estava tomando café no balcão e então parei para falar com a bela oficial, que estava no banco do passageiro. Expliquei o ocorrido e em troca ganhei outra surpresa:
- Olha eu não posso fazer nada por que eu estou indo atender uma ocorrência, mas vou avisar o Copom por rádio.
Mais uma vez, só me restou agradecer.
Pensei que, se à caminho de uma ocorrência, ainda havia tempo para um café da tarde e uma breve atualização na rodada do campeonato na Tv, talvez os valores implícitos na frase 'proteger e servir', tenham sido remodelados ou transviados nos últimos anos.
Geralmente não me afeta, sou apático com a sociedade, acredito que tudo isso é resultado da cultura de paternalismo governamental, que nós mesmos criamos e alimentamos quando achamos que a responsabilidade de resolver tudo isso é deles e não nossa.
A Polícia, com quem tive contato hoje, é bem diferente daquela que aparece na Tv, resolvendo até casos entre marido e mulher, uma preocupação excessiva, que me leva a crer que eles distorceram mais uma frase popular- em briga de marido e mulher, não se mete a colher.
Mesmo na Tv, os policiais, por mais que tentem transparecer integridade, volta e meia dialogam com os marginais de um modo que, se nos falam atenção não conseguiriamos distinguir, quem é quem.

Nada como um pouco de realidade, pra me fazer desenterrar um blog e mais uma vez lembrar do Brasil de todos.


4 comentários:

  1. É um problema cultural em vários aspectos, mas quando falo assim, parece até que é uma causa que aconteceu inevitavelmente, através dos anos os Policiais são ''intocáveis'', os mercados nos atendem como se não fossemos as pessoas que garantiam os seus respectivos salários e Militares e semelhantes se impõem esquecendo do princípio da constituição que deveria garantir direitos iguais a todos, portanto, vivendo nesse panorama, não é de se surpreender reações como a sua mesmo, de já certa ''indiferença'' com a sociedade, o que justifica suas palavras, mas também você sofre com o "mal de jornalista'', tentando consertar o mundo, nem que seja um pouco, ao ligar para o 190, rs.

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  2. Não é nem mal de jornalista, até porque não sou jornalista, feliz do homem que um dia pode se chamar de jornalista.
    é mais mal de achar que merecemos coisa melhor

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  3. É isso ae Silas, ai me vem aquilo que sempre passa na cabeça!
    Ir embora de um país que na minha opinião não tem mais jeito e me deixa mais puto a cada dia?
    Ou lutar, lutar e lutar?

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  4. Quantas vezes ja vi casos de policia omissa e sem valor ,nao ajuda a sociedade que precisa,pois preferem parar e toar um bom cafe,mas isso tbm vem do salario de merda que o governo fornece a eles enquanto os grandes politicos tomam tudo que seria de diretio a sociedade.

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